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quarta-feira, 18 de abril de 2012
Jovem e Violência
Jovem e violência
As bases que estruturam a saúde mental na fase da adolescência são frágeis. Sua má constituição gera problemas de conduta
Por Vanessa Cristina da Silva
Ao abordar a conduta de adolescentes que cometem infrações, nos deparamos com a realidade social produto do contexto sócio-histórico. Tendo claro essa referência aprofundamos as nuances que envolvem esses jovens propondo ser imprescindível levar em consideração suas famílias, seus vínculos formados ou negados e a influência do círculo familiar no processo de aprendizagem. A família constitui o espaço de socialização primária que orienta condutas, valores e viabiliza as primeiras aprendizagens, sendo assim, o homem é produto de suas capacidades cognitivas e de sua interação com o meio. O primeiro sistema com o qual a criança tem contato é o sistema familiar, no qual o primeiro vínculo é constituído. Não nos esqueçamos que, o primeiro passo para aprendizagem é a criação de um vínculo - aprendemos com aquele a quem confiamos o direito de ensinar.
A psicopedagoga Alicia Fernandez (1991) explica que olhar o desenvolvimento da criança no contexto familiar supõe três níveis de influência: o individual, o vincular e o dinâmico. No nível individual leva-se em conta o indivíduo e suas instâncias (organismo, corpo, inteligência e desejo), que geram uma rede particular de vínculos e significações em relação ao aprender. O nível vincular corresponde à maneira como ocorre a circulação e transmissão de informação entre os membros da família (segredos, alianças, fatos). O nível dinâmico caracteriza-se pelo grau de contato com a realidade circundante, isto é, com o sistema mais amplo que eventualmente proíbe, castiga ou estimula. Esse nível compreende a interação entre os membros da família através da percepção do estímulo, do respeito à autonomia e à privacidade, e a questões que impõem autoridade, orientações e advertências, entre outros.
É o espaço constituído pela família que inicialmente orienta condutas, valores e proporciona as primeiras aprendizagens. Portanto, de maneira geral, influencia o comportamento futuro dos jovens
Influência de fatores
É um equívoco pensar que o problema de aprendizagem é causado apenas por sua estrutura familiar. A hipótese mais coerente é a de considerar vários fatores de caráter orgânico, familiar, psíquico ou de experiências negativas como desencadeantes de problemas de aprendizagem.
Desse modo, não se pode afirmar que há um tipo de família própria à criança que apresenta problemas de aprendizagem. Em diversas configurações familiares pode surgir um terreno fértil para a formação de um sintoma de dificuldade de aprendizagem, dependendo da maneira como o conhecimento circula no seio da família ou como um segredo é acionado.
Todo esse arcabouço que retrata a criança, a família e o processo de aprendizagem tem como principal ideia amparar um estudo que culmina na adolescência, para que o tema possa ser entendido de maneira evolutiva no processo de maturação humana. As exposições feitas anteriormente devem servir de parâmetro para observar as transformações do vínculo familiar e o significado do conhecimento no processo de desenvolvimento subsequente.
Um exemplo, que alia a teoria à prática, foi visto nos pátios de uma entidade em que jovens cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade no Estado de São Paulo. Em dia destinado à visita de familiares, uma mãe e um filho passam todo o tempo sentados, um ao lado do outro, sem se dirigir a palavra, sem trocar olhares, ou seja, sem promover a circulação de informação. A cena sugere que a relação vincular dos membros dessa família é frágil. Não há a palavra pautando sentimentos, significando sensações, formando elo. Uma pesquisa sobre o histórico do jovem apontou para o uso abusivo de drogas desde a infância, com consequências em seu organismo, na construção de vínculos e no significado do aprendizado. O jovem não expressa curiosidade por nenhum assunto escolar, suas ideias sempre remetem à morte m à m te e sua expressão corporal é agitada a todo instante. Por fim, ele pode ser visto como um sujeito que só reconhece a relação de luto constituída no sistema familiar, em que os papéis dos membros da família se confundem inevitavelmente para o jovem com a morte violenta, situação ocorrida com seu pai e irmão.
Abandono e negligência
Segundo a psicóloga com especialização em Prevenção da Violên cia contra Crianças e Adolescentes, Luciane Evangelista de Oliveira Claro, crian ças e adolescentes retiradas de suas famílias podem criar um grau de desconfiança nas suas relações com o mundo. Muitas delas viven ciaram, no convívio com suas famílias, situações de negligência, violência física, sexual, psicológi ca, maus tratos que possivelmente deixarão marcas profundas
A DEFASAGEM ESCOLAR É UMA REALIDADE NA VIDA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI. A ESCOLA É ENCARADA COMO DESMOTIVADORA E SEM NADA A LHES OFERECER
Desejos inconscientes
O aprender é o canal possibilitador de autonomia, tanto da criança quanto do adulto, e é capaz de ser bloqueado por desejos inconscientes, sendo os sistemas familiares, eventualmente, terrenos propícios para a gestação de problemas de aprendizagem. Mas é preciso ter sempre em mente que a família não é a única causa do problema de aprendizagem, pois esse é a expressão de uma série de causas.
Na adolescência, a questão familiar influencia de maneira significativa o processo de crescimento. Os pais nesta fase se deparam com a rebeldia de seus filhos, são julgados por eles e devem agora evoluir para uma nova forma de relação com um filho adulto. O sistema familiar adapta sua estrutura e dinâmica aos períodos de desenvolvimento da criança e adolescente nele inserido, favorecendo em maior ou menor grau sua evolução e maturação. Esse desenvolvimento depende também de como ocorre a formação do vínculo entre os membros do grupo familiar, pois, sendo esse o primeiro vínculo formado na vida, irá certamente influenciar os vínculos que vierem posteriormente e, principalmente, interferir no aprendizado.
Há numerosos traços recorrentes no perfil de adolescentes infratores. A ausência da figura paterna é um deles. Outro é o abandono escolar, a repetência e o desinteresse pela escola.
As mudanças físicas e psíquicas sofridas pelos indivíduos na adolescência também precisam ser levadas em conta para melhor entender a situação atual vivenciada pelos adolescentes em conflito com a lei. Segundo Aberastury & Knobel (1981), as mudanças psicológicas e corporais que acontecem nesse período levam a uma nova relação com os pais e com o mundo. Isso ocorre por meio da elaboração do luto pelo corpo de criança (puberdade e suas transformações), o luto pela perda da identidade infantil (através de mudanças corporais começa a surgir uma nova identidade ligada ao corpo de adulto) e o luto pela relação com os pais de infância (caracterizada por uma relação com os pais que agora enxergam uma genitalidade e uma nova personalidade emergente em seus filhos).
Nesta fase de construção da identidade, o adolescente flutua entre o impulso à independência e o medo da perda do conhecido. É um período de ambivalência, contradições, contestações e críticas a limites que resultam em atritos dentro do meio familiar e social. Não só o adolescente sofre com tantas mudanças, mas também os pais têm dificuldade de aceitar essa nova identidade e esse novo corpo. Essa dificuldade de aceitação implica, por vezes, em uma rejeição por parte dos pais, mascarada pela concessão de uma excessiva liberdade, que é interpretada pelo adolescente como um abandono.
A ADOLESCÊNCIA É UM PERÍODO DE AMBIVALÊNCIA, CONTRADIÇÕES, CONTESTAÇÕES E CRÍTICAS A LIMITES QUE RESULTAM EM ATRITOS DENTRO DO MEIO FAMILIAR E SOCIAL
Conflito entre ter e ser
O adolescente confronta teorias políticas e religiosas, afirma sua opinião e constrói questões éticas sobre determinado assunto. Mas é preciso lembrar que o adolescente é uma pessoa ainda em desenvolvimento, não possui valores devidamente concretizados. Quando ele comete um roubo, de certa forma, encontra um caminho para se inserir em uma sociedade capitalista - que prega o ter e não o ser - e com esse ato infrator soluciona o problema de desigualdade social imposto a si.
A adolescência sempre foi estudada isoladamente, porém, é um processo inserido em uma estrutura social que dita regras, valores e condutas. Fatídico é que experimentamos em todo o mundo a formação de uma juventude inconformada que se expressa com violência. Essa violência vem como resposta à violência institucionalizada das forças de ordem familiar e social. O adolescente que se destina à busca de ideais esbarra com a violência e o poder, e ta bém os usa. Na busca exacerbada de valores e modelos, os adolescentes encontram atualmente ídolos um tanto quanto duvidosos quanto à maneira de se fazer justiça ou protesto. Um adolescente infrator, ao ser questionado sobre quem seria seu ídolo, responde Osama Bin Laden, o que denota a carência social de bases ideológicas sérias e pacifistas. A adolescência é um período complexo, cheio de dúvidas e incertezas. É evidente a carência que sofre a atual juventude de atenção familiar e de bons exemplos que possam instigar boas ações.
É possível analisar a origem da tendência antissocial, em alguns casos percebida entre os adolescentes infratores. Segundo Winnicott (1984), o amor e o ódio são os dois sentimentos básicos que constroem as relações humanas. Contudo, a agressividade de todas as tendências humanas é oriunda de fatores externos que vem à tona, sendo sempre muito complexo identificar suas origens.
De acordo com Winnicott, para entender a tendência antissocial de uma criança é necessário conhecer as fantasias inconscientes existentes nela. Isso porque sua personalidade está sendo constituída o tempo todo através de trocas psíquicas que progridem na mesma proporção que o dar e o receber físico. Portanto, quando as forças do ódio ameaçam dominar as forças do amor é dramatizado exteriormente o mundo interior, representando ele próprio o papel destrutivo. Se existe expectativa na vida interior, a criança pode utilizar os impulsos instintivos, até mesmo os agressivos, em algo proveitoso e saudável na vida real, é a sublimação. Porém, se a destruição for drástica, nada se pode fazer para ajudar. À criança resta a negação de fantasias más ou a sua dramatização.
Winnicott e a delinquência
A hipótese que surge desses estudos é ser o adolescente infrator um indivíduo cujo mundo interior está despedaçado e que exorta esse fato por meio de comportamentos agressivos, dramatizando sua história. Winnicott (1984) vê o problema da delinquência juvenil como uma consequência decorrente da privação da vida familiar. Pois, ao perceber que a referência da sua vida se desfez, a criança sente-se angustiada e busca novas referências.
A criança tem a necessidade de ser cuidada, protegida por alguém e até mesmo de ser sancionada e ter seus limites estabelecidos. A criança antissocial, que não encontrou limites devidamente direcionados pela família e pela escola, recorre à sociedade como última instância, a fim de que essa estabeleça seus primeiros limites, para que ocorram então, os estágios de crescimento emocional. Sendo assim, pode-se enxergar ainda uma esperança na delinquência, pois essa nada mais é do que um pedido de socorro que clama o controle por pessoas protetoras e acolhedoras. É claro que a visão de Winnicott, ao culpar a família pela delinquência não se restringe somente a isso. Frisa que a criança não resiste somente quando todas as outras instâncias - como escola, comunidade e sociedade - também falham, deixando claro que a privação familiar não é um fato isolado e determinante, e sim, o início de uma reação em cadeia.
Perfil do adolescente infrator
Em 2002 IPE (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revela que dentre os 9.555 adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação e internação provisória no país, 90% são do sexo masculino, 76% possuem entre 16 e 18 anos, 97% são afro-descendentes. No total, 51% não frequentam a escola, 90% não concluíram o Ensino Fundamental; 49% não trabalhavam; 81% moravam com a família quando praticaram a infração; 12,7% viviam em famílias que não possuíam renda mensal; 66% em famílias com renda mensal de até dois salários; 85,6% eram usuários de drogas. Entre os principais delitos praticados pelos adolescentes privados de liberdade estão o roubo (29,6%); o homicídio (18,6%); o furto (14,0%); o tráfico de drogas (8,7%); o latrocínio (5,8%); o estupro/atentado violento ao pudor (3,7%); e a lesão corporal (3,3%).
Defasagem escolar está sempre presente
O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo de Adolescentes em Conflito com lei realizada pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) em 2008, sinaliza o aumento dos indicadores. O número total de internos no sistema socioeducativo de meio fechado no Brasil é de 16.868 adolescentes, sendo 11.734 na internação, seguidos da internação provisória 3.715 e da semiliberdade com 1.419. É fato consumado que a defasagem escolar é uma realidade na vida dos jovens em conflito com a lei.
Evidenciamos que as pesquisas revelam de maneira quantitativa a defasagem escolar, e raramente demonstram de maneira qualitativa os índices que retratam a dificuldade de aprendizagem. Esses jovens encaram a escola como uma instituição desmotivadora e sem nada a lhes oferecer. A defasagem escolar é praticamente o cartão de visita do adolescente em conflito com a lei, realidade a qual a instituição luta para mudar.
Vanessa Cristina da Silva é psicóloga, psicopedagoga e especialista no tema Adolescente em Conflito com a Lei
Referências
ABERASTURY, A., KNOBEL, M. Adolescência Normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.
FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Tradução Iara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
ROCHA. E. Mapeamento Nacional da Situação das Unidades de execução da medida socioeducativa de privação de liberdade ao adolescente em conflito com a lei. Brasília: IPEA/ DCA MJ, 2002.
WINNICOTT, D.W. Privação e Delinquência. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
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