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terça-feira, 17 de abril de 2012
O Poder Destrutivo Do OXI
Droga Psicoativa
O poder destrutivo do OXI
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a dependência química é um problema de saúde pública que precisa ser tratado tanto no período de sua manifestação como ao longo de toda a vida do indivíduo
Por Ana Cristina Fulini e Patricia Cypriano Barbosa
Drogas sempre existiram em diferentes sociedades e marcaram a história da existência do homem em nosso mundo. Algumas delas têm poderes de penetração social e econômicos mais elevados, enquanto outras têm poderes de destrutividade pessoais e afetivas mais relevantes – razão pela qual nos levaram a desenvolver várias teorias para os motivos de seu desenvolvimento.
Já conhecido dentro das “bocas de fumo” o pinóxi, ou simplesmente oxi, começa a preocupar a população brasileira. Para os profissionais que atuam nas áreas de prevenção, tratamento e repressão, é mais uma velha nova droga.
No entanto, as pessoas se perguntam: onde nasceu o oxi? O que se esperar dele e do seu impacto sobre a sociedade e sobre o usuário dessa droga? Buscando um entendimento sobre o surgimento ou o ressurgimento com uma nova roupagem de uma velha droga, buscaremos entendimento contextual sobre ela.
As drogas e seus efeitos As drogas estimulantes do sistema nervoso central sempre fizeram sua parcela de dependentes. Isso porque essas substâncias produzem um aumento abrupto de dopamina extracelular, causando enorme sensação de fissura após sua cessação.
Ordem de funcionamento cerebral
É importante estabelecer que a dependência química é uma doença do cérebro, crônica e recidiva, caracterizada pelo comportamento de busca da substância, desejo e consumo intensos, apesar das claras consequências negativas de seu uso. As drogas que caracterizam o aparecimento da doença são aquelas psicoativas, que têm afinidade com o tecido nervoso e que geram uma nova ordem de funcionamento cerebral, além de alterarem a percepção dos sentidos dos indivíduos que as utilizam.
Há unanimidade sobre a elevada complexidade em torno das temáticas relacionadas às drogas psicoativas que precipitam transtornos mentais. Quando essas abordagens migram para o universo da dependência química, que é uma doença da esfera psiquiátrica, essa complexidade é ainda maior. Não por acaso, hoje, a dependência química é considerada pela Organização Mundial da Saúde um problema de saúde pública e que precisa ser tratado tanto no período de sua manifestação como ao longo de toda a vida do indivíduo. Sendo uma doença, algumas pessoas pensam que deveria haver um medicamento, mas não é bem assim. Sua complexidade já parte daí. Existem tratamentos, abordagens multiprofissionais, mas não existem remédios “antidependência química”, ou ainda uma cura.
As variáveis que cercam essa doença vão desde fatores socioeconômicos, conflitos familiares e psíquicos como também a constituição biológica do indivíduo. O que “desperta” a doença não é algo único, é um conjunto multifatorial de eventos interligados. Existe um termo muito usado na dependência química: a adição. O indivíduo adicto é aquele que altera seu equilíbrio biológico e psíquico pela adição, em seu organismo, de uma ou mais substâncias. Portanto, é uma característica e condição determinante que a substância venha de fora dele.
A dependência química de uma única pessoa faz que a sociedade perca um cidadão produtivo, saudável, capaz de realizar, criar, formar ideias e crescer
De fato, desde a plantação da folha da coca (um arbusto que se desenvolve no clima de países da América do Sul) até a pedra de oxi, temos a mistura de muitos insumos. Chamaremos de insumos os produtos que somados à folha, transformam- na em algo consumível pelo usuário. Estes produtos têm a função de tirar da folha a substância responsável pelo efeito entorpecente da droga. Totalmente artesanais e ilícitas, as pequenas fábricas de produção de pasta base formadas por famílias em países da América do Sul, sem nenhum respaldo social e como forma de subsistência, fabricam a pasta base que por sua vez se transforma no crack, na cocaína e no oxi.
O oxi é uma pedra tal qual o crack, sendo ambos os subprodutos da pasta base, derivada da folha desse arbusto, a planta Erythroxylon coca, que causa um efeito predominantemente estimulante do sistema nervoso central, assim como efeitos perturbadores associados descritos por seus usuários.
Uma vez colhidas as folhas, muitas etapas de mistura com solventes e outros produtos químicos, e em geral são citados entre eles o cimento, a soda cáustica, a amônia, a gasolina, a cal, o ácido sulfúrico, entre outros, a substância passa por vários processos de filtragem que resultam na pasta base.
“É muito mais barato solução de bateria, querosene e cal virgem do que acetona, éter e bicarbonato de sódio para se fazer uma pedra... Eu conheci essa fórmula dentro da favela de Heliópolis”, relata um dependente químico, assim que começam a ser vinculadas na mídia apreensões desta droga pela Polícia Federal.
O oxi é uma pedra tal qual o crack, sendo ambos os subprodutos da pasta base, derivada da folha da coca
Não há relatos de fábricas de pasta base dentro do território nacional, o que também nos preocupa aos sermos apontados em relatórios internacionais como os principais fornecedores de insumos usados para a fabricação dessas substâncias, uma vez que é falha a fiscalização do direcionamento para a utilização desses produtos químicos.
O familiar de um paciente relatou certa vez: “não consigo fabricar uma bomba, pois não consigo comprar dinamite ou pólvora sem ser questionado, preencher formulários... Por que, então, não fiscalizar os insumos que transformam da folha da coca, o crack e o oxi e, assim, aumentar a proteção para evitar tamanhos danos?”.
De fato, temos muitos químicos corrosivos e intoxicantes adicionados ao produto. Todos estes incompatíveis com uma vida saudável.
O uso do oxi ou do crack é solitário. Isso porque é comum o usuário não querer que nada atrapalhe o seu momento de euforia. Assim, além dos danos orgânicos, a droga também causa danos emocionais
Além dessas misturas, ainda são adicionadas aos produtos finais, no caso da cocaína aspirada, que é vendida por peso, outros tantos em pó. O objetivo é lucrar sobre a venda ao dependente químico, que fissurado e doente, utiliza o que lhe for oferecido, sem muita crítica.
O risco de desenvolver dependência está intimamente ligado à forma como a substância é utilizada. A aspiração do pó, por exemplo, cujo preço é o mais baixo, é o que mais danos causa à saúde.
Em geral, seus abusadores relatam sensações de euforia, energia, fluência verbal, maior sensibilidade para visão, tato e audição e podem diminuir temporariamente a necessidade de comer e dormir, por essa classe de substâncias aumentar a atividade cerebral.
Vários fatores se somam para um maior risco de abuso. Disponibilidade em ter acesso a uma droga, um momento pessoal vulnerável e diante de sua utilização, uma sensação de resolução de problemas.
Além de seu efeito altamente compulsivo, a droga possui elevada toxidade para outros órgãos do corpo humano. Produz mudanças estruturais e de funcionamento do cérebro, precipitando problemas psiquiátricos. Um dos componentes de sua fabricação, a cal, que é corrosiva, danifica as vias aéreas superiores, causando lesões na mucosa nasal e até danos cardiopulmonares graves.
O coração tem seus batimentos acelerados no momento de seu uso, podendo trazer consequências graves como enfarte agudo do miocárdio, arritmia, acidentes vasculares cerebrais, falência cardíaca e morte súbita.
Os rins ficam sobrecarregados, já que seus componentes são muito tóxicos e esse órgão filtra o sangue com essa toxina. Além disso, como existem substâncias combustíveis em sua mistura, elas podem atingir todo o sistema digestório.
• Destruição do organismo •
O poder do oxi é indiscutivelmente destrutivo e pode causar lesões sérias da boca até os rins. Os componentes da droga afetam diferentes partes do corpo. O querosene ou gasolina, combinados com o calor, provocam ferimentos nos lábios, nas papilas gustativas da língua, causam ferimentos no esôfago e corroem os dentes. A cal virgem pode provocar fibrose pulmonar e os químicos adicionados à droga vão para o fígado. O uso da droga aumenta ainda as chances de doenças como cirrose hepática e o acúmulo de gordura no órgão. Como é extremamente nociva ao organismo, pode levar à morte em pouco tempo.
Para os profissionais que atuam nas áreas de prevenção, tratamento e repressão, o oxi é mais uma velha nova droga
Seu efeito viciante é instalado já com poucas vezes de uso. Por ser uma droga inalada, ativa os neurônios e chega rapidamente ao sistema nervoso. A sensação de prazer provocada pela estimulação neuronal é imediata, sendo que a duração desse efeito também é rápida.
Em função desse prazer instantâneo, que tanto o crack como o oxi provocam no indivíduo, essas drogas geram efeitos compulsivos para o uso. É como se tentássemos aquecer um ambiente colocando fogo no álcool gel. Pega fogo logo, evapora logo e o ambiente não se aqueceu, sentiu-se um calorzinho gostoso, mas que foi embora logo. Então, tenta-se de novo, e de novo, e de novo até que o organismo não consegue mais se movimentar. E o ambiente permanece frio. Esse efeito compulsivo que o crack e o oxi geram, na maioria dos casos, só cessa quando outros órgãos do indivíduo estão entrando em falência. Se fosse pelo sistema nervoso central, esse prazer instantâneo seria mantido indefinidamente.
Além dos danos orgânicos e viciantes que o oxi traz, existem também os emocionais. Como essa droga tem o efeito compulsivo, seu uso provoca a estagnação emocional no indivíduo. Ele para de viver outras experiência e sensações da vida, do cotidiano, e afunila todos os seus objetivos na obtenção da droga.
• Efeitos do oxi •
As sensações do oxi são variadas. Por agir direto no sistema nervoso, o usuário pode ir do prazer e euforia ao sentimento de perseguição e paranoia. Especialistas no tratamento dizem que a droga chega ao cérebro em poucos segundos, com efeito em sete a nove segundos após ser inalado, e passa mais rápido, levando à compulsão. Os dependentes costumam permanecer sempre nervosos e agitados durante e após o consumo da droga. Também apresentam pele amarelada e perdem muito peso.
O uso dessa droga é absurdamente solitário, mesmo com uma multidão à sua volta. Como o prazer é instantâneo, o usuário não quer que nada “atrapalhe” esse seu momento “mágico” e se isola totalmente. É como aquele pedacinho de sobremesa que se vai deixando no prato para apreciar no fim da refeição, separado especialmente para gerar o prazer da degustação. O que acontece quando chega alguém e pede justo aquele pedacinho? É assim com o crack e com o oxi. O usuário se esconde para que ninguém o interrompa. Tais quais outras drogas, o indivíduo tem sua capacidade de escolha cada vez mais diminuída, já que o vício é “quem” começa a determinar ao indivíduo o que ele deve fazer. O universo social e familiar do dependente vai ficando cada vez mais estreito.
Não quer mais contato com a família se esta se colocar opostamente ao caminho traçado por ele. Amizades e conversas com pessoas não são mais frequentes, já que seu “círculo social” se torna restrito a usuários e traficantes.
Os usuários não fazem laços afetivos entre si, se unem para haver facilitação na obtenção e uso da droga. Não existe afeto e companheirismo, só facilitação. Até os diálogos, se é que são travados, acontecem sempre girando em torno do tema drogas.
O efeito compulsivo que o crack e o oxi geram, na maioria dos casos, só cessa quando outros órgãos do indivíduo estão entrando em falência
Nesse círculo social não há quem conte sobre uma nova série de exercícios que começou a fazer na academia ou sobre um trabalho novo, sobre projetos para o futuro. Futuro é um conceito riscado da vida do dependente químico. Promoção no trabalho, então, é algo bizarro. O mais comum é comentarem que foram demitidos ou que abandonaram a escola e a família. Existe, e não é raro, pessoas preferindo andar na rua, longe de qualquer tipo de cerceamento de seu comportamento.
Para a fabricação da pedra de oxi, muitos insumos são adicionados na folha da coca, de onde ele se origina. Estes produtos têm a função de tirar da folha a substância responsável pelo efeito entorpecente
Mais do mesmo
Além de maior fiscalização sobre o destino dos insumos que são adicionados à folha de coca para a fabricação da droga, é preciso haver outras políticas de trato ao dependente químico
Por fim, o oxi não é uma nova droga, é uma variante do crack, que traz, além dos mesmos prejuízos sociais e emocionais que a dependência química, a destruição e o comprometimento do organismo do indivíduo.
Voltamos a perceber que se forem afrouxadas as dificuldades de se consumir drogas, piores serão as consequências. E esse é o panorama do oxi. Extremamente barata, podendo custar em média R$ 2 a pedra, estamos diante da complexidade do dependente químico e de sua compulsão sem freios, nem agora mais os econômicos.
A perversidade dessa rede de uso e abuso afeta milhões de usuários, diretos e indiretos. A sociedade perde um cidadão produtivo, saudável, capaz de realizar, criar, formar ideias e crescer.
A família perde entes que trocam tudo por mais uma dose, assistem à morte lenta de um parente sem ter soluções para o caso, e acabam também sendo adoecidos por esse processo. Para minimizar o dano, a família deve procurar ajuda especializada, mesmo sem o paciente nessa primeira conversa. As orientações dadas podem ser discutidas entre a família e o profissional, e esse consenso ajuda a família a não desistir da recuperação do paciente.
Os programas de saúde não acompanham o processo veloz da dependência, fazendo vítimas diárias da falta de atendimento, da falta de leitos para desintoxicação e de profissionais habilitados para atender e entender a dependência química. As escolas, comunidades e as famílias não recebem nenhuma habilitação para realizar ações de prevenção de uso de drogas e qualidades de vida para indivíduos em formação que ainda frequentam esses ambientes. Estamos sedentos de informação e participação de programas de saúde destinados para esse fim, com ações, propagandas, incentivos, centros de estudo e participação.
Os programas de saúde não acompanham o processo veloz da dependência química, fazendo vítimas diárias na falta de atendimento adequado
A intervenção na escola deve ser planejada desde o ensino fundamental até o médio. Serão três frentes de intervenção: pais, alunos e corpo escolar. Para os pais, a orientação; para o corpo escolar, capacitação; e para os alunos, um espaço de diálogo aberto sobre o tema.
As políticas de repressão ao narcotráfico, com maior fiscalização sobre o destino dos insumos, sobre as fronteiras, com leis eficientes sobre o mercado da droga e alternativas para dependentes químicos que cometem atos infratores, só engrossam as prisões e a falta de esperança a milhões de famílias.
O tratamento é complexo, mas acontece e pode ser eficaz. A eficácia depende do grau de envolvimento na recuperação. Para cada caso há uma demanda diferenciada a ser suprida. O primeiro passo começa com um consenso entre família e paciente de que há uma doença. Para alguns, será tratamento em internação involuntária ou voluntária; para outros, o tratamento ambulatorial individual com psiquiatra ou psicólogo; outros ficaram em intervenção em hospital dia com equipe multidisciplinar; e todos poderão complementar seu tratamento em grupos de autoajuda como AA, NA, dentre outros. O importante é frisar que há recuperação, e para cada caso, uma intervenção diferente.
Ana Cristina Fulini é coordenadora terapêutica da Clínica Maia Prime e
especialista em dependência química pela Prosam – CAPS-AD – em 2002.
Patricia Cypriano Barbosa é bacharel em Psicologia e membro da equipe da Clínica Maia Prime.
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