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quarta-feira, 9 de maio de 2012
Retrato da nova geração
Retrato da nova geração
Gossip Girl é um seriado repleto de inversão de valores morais, de crueldade e perversão, disfarçados em moda, glamour, dinheiro e alta sociedade
Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps
Toda geração tem um seriado que representa sua juventude com maior fidedignidade. Desde Barrados no Baile até Dawson’s Creek, passando por temáticas grupais da adolescência, em que essa fase do desenvolvimento humano é mostrada com suas conflitivas típicas. Nada mais natural entender essa fase tão complexa do desenvolvimento humano.
Com Gossip Girl não é diferente, mas o que chama atenção é sua temática central: perversão. O núcleo do seriado está em uma suposta “fofoqueira” que usa seu site, redes sociais e os serviços de telefonia celular (SMS) para espalhar intrigas e segredos, praticando anonimamente o que se chama hoje de ciberbullying.
A banalização de temas como mentira, traição, chantagem, desonestidade, entre outros, é constante; mesmo assim, a série já está no seu quinto ano de exibição, possuindo fãs de todas as idades.
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE
Ao longo dos episódios acompanhamos a vida de um grupo de milionários de Manhattan, Nova York. A princípio são apenas mais um quarteto de riquinhos e mimados, mas com o desenrolar da trama é possível perceber a distorção de valores que se construiu nessa sociedade do consumo desenfreado. Esses exageros apresentados no seriado nos fazem questionar fatores importantes na formação de personalidade, tais como família, bom senso, respeito, individualidade e verdade, e até que ponto perdemos esses referenciais. O fundo dessa questão é o mundo adulto, partido, perdido, tão desorientado que não atua mais como um modelo possível. Se formos analisar, o mundo inteiro sem barreiras etárias vive de forma muito homogênea as questões do momento, e, como diria a psicanalista Maria Rita Kehl, a juventude obedece e sublinha (polariza e aumenta) os padrões de seus pais.
Se entendemos “personalidade” como aquilo que “somos”, que nos constitui, incluindo comportamentos, sentimentos, ações e maneiras como percebemos e lidamos com o outro, compreendemos que a formação dessa personalidade, ou estrutura, se dará ao longo dos anos. Um processo gradual, complexo e contínuo, que se inicia na infância e reafirma na adolescência, chegando à fase adulta como um padrão consistente de relação com o meio. Aqui entenderemos os papéis então que a família, religião, valores e educação teriam nessa equação.
"A BANALIZAÇÃO DE TEMAS COMO MENTIRA, TRAIÇÃO, CHANTAGEM, DESONESTIDADE, ENTRE OUTROS, É CONSTANTE; MESMO ASSIM, A SÉRIE JÁ ESTÁ NO SEU QUINTO ANO DE EXIBIÇÃO, POSSUINDO FÃS DE TODAS AS IDADES"
O dinheiro e a fama são temas abordados na série, mostrando que ao estarem em evidência na vida dos personagens deixam uma lacuna de valores morais e éticos
Imagine então um cenário onde crianças muito ricas, sem qualquer parâmetro de valores, moral, sem cuidados ou figuras parentais presentes constroem suas personalidades patologicamente. Bingo.... temos um ambiente mais do que propício para o que chamamos de “transtornos de personalidade”.
PADRÃO DE COMPORTAMENTO
Nos primeiros anos do seriado temos esses jovens ainda em formação, e muito pode ser entendido como “fase” ou “passageiro”. Porém, ao adentrarem a faculdade e atingirem a maioridade percebemos que esse padrão dos nossos personagens se mantém, caracterizando como personalidades com prejuízo na adaptação e relação com o meio, causando sofrimento psíquico para eles e principalmente para aqueles que os cercam.
Estamos aqui falando especificamente do famoso quarteto de Upper East Side: Blair Wardolf, Serena van der Woodsen, Chucky Bass e Nate Archibald. A cada episódio é notável como a maneira que expressam suas emoções (afeto), o comportamento social, funcionamento interpessoal e suas percepções de si e dos outros está totalmente alterada e mal adaptada. Todos têm grande falha de caráter e são danosos a si mesmos e àqueles que os cercam. Talvez representem o que chamamos de Cluster B, ou Grupo B, dos transtornos de personalidade, classificados no DSM-IV-TR. São dramáticos, imprevisíveis e irregulares. Este é um dos grupos mais comuns nos consultórios e talvez o mais fácil de ser reconhecido, dada a complexidade e instabilidade que o nosso meio proporciona. Muito confundidos com “rebeldes”, são inconstantes, egoístas, dramáticos, sedutores, manipuladores, imprevisíveis e não sabem ouvir um “não” como resposta. De meninos e meninas mimados, tornaram-se adultos com falhas graves de caráter.
Eduardo J. S. Honorato - Psicólogo e psicanalista. Denise Deschamps - Psicóloga e psicanalista. Autores do livro Cinematerapia: Entendendo conflitos.
"O FUNDO DESSA QUESTÃO É O MUNDO ADULTO, PARTIDO, PERDIDO, TÃO DESORIENTADO QUE NÃO ATUA MAIS COMO UM MODELO POSSÍVEL. O MUNDO SEM BARREIRAS ETÁRIAS VIVE DE FORMA MUITO HOMOGÊNEA AS QUESTÕES DO MOMENTO"
Para incrementar esse drama, algumas vítimas adentram a história. Rufus Humpfrey e seus dois filhos, Dan e Jenny, se mudam para a cidade. Dan é mais velho, portanto mais estável e menos influenciado por toda a tentação que o dinheiro atrai. Não podemos dizer o mesmo de Little Jenny, que está reafirmaCARACTERÍSTICAS DOS PERSONAGENS
Blair Wardolf é a personagem central da trama. Mimada por uma mãe sempre ausente e um pai presente até parte da adolescência, que as abandonou para assumir sua homossexualidade com um amante francês. Criada por uma empregada refugiada da Polônia, Blair é a mais intolerante a frustrações e decepções. É uma bomba ambulante e suas ações sempre visam tirar proveito de algo e machucar os demais. Tudo cercado de muito falso sentimento de culpa ou preocupação. É a especialista do grupo em armar golpes, falcatruas, fraudes e todas as mirabolantes situações que acontecem no seriado. O “método Blair” de resolver as coisas. É a “rainha da escola”, e segue com o título para a universidade, onde o bullying é considerado uma prática necessária para se “manter o status”. Todos devem seguir suas ordens. É instável, destrutiva (auto) e tem surtos de carência, sempre buscando um controle de tudo e de todos. Exige atenção especial e qualquer negação é encarada com muita profundidade. Em seu único e “verdadeiro” relacionamento, demonstra desde o início um medo desproporcional de abandono e é capaz de fazer tudo o que tiver a seu alcance para conseguir seus objetivos. Tem um relacionamento ambíguo com sua melhor amiga, Serena, a quem ataca e afaga durante todas as temporadas. Blair tem alguns sintomas de transtorno de personalidade boderline.
A amiga Serena van der Woodsen é filha de um médico golpista que abandonou a família e de uma mãe casamenteira. Serena e seu irmão Eric cresceram mudando de casa em casa, onde sua mãe, Lilly troca de maridos, galgando degraus sociais e fortuna. Serena é a mais linda, loira, sedutora e cativante de todos. Sua beleza é sua arma principal. Com ela todas as portas se abrem e quando ela passa destrói tudo em seu caminho, mesmo que “sofra” e ache que nada foi sua culpa. Está sempre buscando atenção para si, o que desperta muita inveja de Blair. É exibicionista, fútil, manipuladora e instável afetivamente. Ama alguém “profundamente” e dias depois está confusa e insegura sobre outro amor que venha a surgir. Sempre com muitos dramas com direito a entradas e saídas triunfais, é a rainha de todas as cenas. Blair sempre a acusa de buscar os holofotes e Serena dramatiza que isso é “inevitável”, demonstrando uma falsa culpa ou remorso. Acredita sempre ser incompreendida por tudo e por todos. Temos então sintomas de T. P. histriônica.
O queridinho de todas as fãs do seriado, Natan Archibald, é o príncipe encantado. Cabelos perfeitos, olhos azuis cativantes, que escondem certo egoísmo e antipatia. Até tenta demonstrar empatia, mas reduzida àqueles que o cercam. Filho de uma herdeira de políticos renomados por suas falcatruas e de um pai foragido por fraudes financeiras, Nate enfrenta problemas ao longo dos anos, carregando a culpa pelos estragos feitos pelos pais. Apesar de não verbalizar, tem um ar de superioridade e sempre se acha merecedor de mais. Sua arrogância fica escondida pelos seus cuidados pessoais e vaidade e adora falar de sua família e de si na terceira pessoa. Tem certo tipo de desprezo pelos outros, apesar de ser um “elo” entre os amigos. Podemos ver sintomas de T. P. narcisista.
"MUITO CONFUNDIDOS COM “REBELDES”, SÃO INCONSTANTES, EGOÍSTAS, DRAMÁTICOS, SEDUTORES, MANIPULADORES, IMPREVISÍVEIS E NÃO SABEM OUVIR UM “NÃO” COMO RESPOSTA"
A falta de princípios torna esses jovens dotados de um comportamento social distorcido e completamente danoso a eles mesmos e à vida que os cerca
Chucky Bass é filho de um empresário frio e calculista que jamais teve afeto ou contato direto com ele. Manipulador e distante, deixou o filho aos cuidados de babás e empregados, que sempre foram seus brinquedos. É infiel, fingido, sedutor, manipulador, egoísta, agressivo, irresponsável. Seus relacionamentos são vazios e usa as pessoas. Um verdadeiro transtorno de personalidade antissocial, ou comumente chamado de psicopata. Não chega a ser um criminoso ou serial killer, mas tem a mesma indiferença com os sentimentos alheios e faz jogos de sedução e manipulação durante a vida toda. Chega a demonstrar possíveis sentimentos, mas esses são tão articificiais que não convencem nem mesmo aqueles que o cercam. Um reflexo de uma criança que cresceu sem parâmetros, valores ou sequer afeto, carregando a culpa da possível morte de sua mãe.
O irmão mais novo de Serena, Eric van der Woodsen, tentou suicídio aos 12 anos e foi internado. Tudo muito escondido para que a sociedade não soubesse. É homossexual assumido e talvez um dos mais estáveis de todos. Porém, no meio de tanta podridão, acabam por ocorrerem situações nas quais suas defesas se igualam aos ataques dos demais.
Vanessa Williams é uma menina criada por pais “alternativos”, que busca o bem de todos e batalha pelos seus ideais. Tem fortes valores morais e crenças de igualdade social. É rejeitada pelos demais em um processo de inversão, em que o normal é visto como algo repulsivo.
O telespectador fica acostumado com tanta banalização de valores e moral, quando “tudo é possível” para obterem aquilo que querem, não importando sentimentos ou qualquer vínculo, mesmo os familiares. Outro aspecto que sobressai é o site da personagem-título, Gossip Girl, que espalhas as fofocas e boatos pelo mundo virtual e controla a vida de todos. Nenhuma medida legal é tomada e essa prática de ciberbullying perdura por todas as temporadas do seriado.
É um rico material para análise de um possível retrato da nova geração que pode estar se fornando em bases muito parecidas com as apresentadas na história, uma vez que os valores constituintes de formação de personalidade estão tão enfraquecidos. Esse hipotético grupo americano pode estar mais próximo da nossa realidade do que imaginamos.
Gossip Girl: 4 / Direção- Cecily Von Ziegesar. Duração - 938 min.
Gênero - seriado / Ano de produção - 2011
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