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segunda-feira, 16 de abril de 2012
Universo Particular - Síndrome de Asperger
Universo particular
A Síndrome Asperger se revela nos mais íntimos complexos humanos - no olhar, no gosto e na relação social -, o que não impede, contudo, o percurso de uma vida normal
Por Marcelo Jucá
Quando Ubiratan foi informado de que seu filho, então com 3 anos, deveria recorrer a acompanhamento médico ou terapêutico, pois de forma alguma ele conseguia se relacionar com os colegas e participar das atividades escolares, o susto foi tremendo. Preocupado, trocou o menino de escola, optando por uma que oferecesse apoio psicológico para as crianças. Logo no começo, conversou com os profissionais e professores a respeito das dificuldades que o filho enfrentava.
Mas bastaram poucos meses para que todos chegassem ao consenso de que o problema estava além da simples socialização e envolvia outras dificuldades que somente um especialista poderia cuidar. A grande dúvida era qual profissional procurar, pois até o momento ninguém sabia qual era o problema. O garoto era quieto, não se relacionava com outras crianças e dificilmente olhava nos olhos de seus interlocutores. E mais, tinha uma adoração especial por trens.
Depois de muitas idas e vindas a diferentes profissionais, um neuropediatra conseguiu fechar o diagnóstico. Síndrome de Asperger, um tipo de autismo (ver quadro Autismo e Asperger) que se desenvolve, principalmente, em crianças do sexo masculino, apesar de ninguém ainda saber exatamente o que origina seu problema.
A Síndrome Asperger se revela nos mais íntimos complexos humanos – no olhar, no gosto e na relação social –, o que não impede, contudo, o percurso de uma vida normal
Os “aspies” – como se autodenominam os portadores da síndrome – não apresentam nenhum traço físico aparente da doença e possuem inteligência tão desenvolvida quanto a sua ou a minha. Suas dificuldades de comunicação são confundidas muitas vezes como mera timidez, enquanto, na verdade, enfrentam problemas de primeira ordem relacionados à sociabilidade, compreensão da linguagem e interesse exclusivos por determinados assuntos, o que abala as estruturas convencionais na formação de vínculos com a sociedade
Para saber mais
Autismo e Asperger
De acordo com o psiquiatra Ami Klin, autismo e síndrome de Asperger são duas patologias diferentes, apesar de semelhantes em alguns sintomas. Como define o especialista, “autismo e síndrome de Asperger são entidades diagnósticas em uma família de transtornos de neurodesenvolvimento nos quais ocorre uma ruptura nos processos fundamentais de socialização, comunicação e aprendizado. Esses transtornos são coletivamente conhecidos como transtornos invasivos de desenvolvimento.”
A escolha de grande maioria de médicos e psicólogos se referir a Asperger como “um tipo de autismo” se diz em razão do conhecimento prévio que se tem do autismo e de seus sintomas, o que justifica a compreensão mais fácil do público leigo.
Como consequência, da infância até a vida adulta, são potenciais vítimas de bullying e podem apresentar tendências depressivas e tornarem-se sedentários, entre outros problemas que dependem do indivíduo e do meio social que o cerca. Tudo isso se eles enfrentarem as dores sozinhos. O papel dos pais é de extrema importância nesse percurso e, como salienta a neurologista Carla Gikovate, todos os portadores da síndrome podem aprender tudo, ter um trabalho, beijar a namorada e ter uma vida normal. “Meu filho, hoje com 6 anos, é um exemplo disso”, orgulha-se o pai Ubiratan, que o vê enfrentar diariamente seus abismos internos.
Sintomas em Asperger
Identificada pela primeira vez pelo pediatra austríaco Hans Asperger, em seu artigo de 1944, Psicopatologia Autística na Infância, a síndrome só passou a fazer parte do DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) na edição de 1994. Ainda hoje, a pouca pesquisa, a falta de preparo por parte dos profissionais e a dificuldade em sintetizar conjuntos de sintomas padrões geram muita confusão na hora do diagnóstico, o que deixa muitos pacientes sem saber de sua patologia.
O psicólogo português Paulo Teixeira constata que é comum ver a síndrome de Asperger, ou SA, ser confundida com uma obsessão compulsiva, como esquizofrenia e depressão, ou mesmo outras perturbações que apresentem um mesmo sintoma.
A criança com Asperger não apresenta atrasos no desenvolvimento da linguagem e nas habilidades cognitivas.
Mas, desde cedo, os especialistas apontam que as dificuldades e principais características vistas no adulto começam a se desenvolver. O psiquiatra Ami Klin é objetivo ao fazer um diagnóstico: “Além das limitações e dos prejuízos na interação social, bem como interesses e comportamentos limitados, nota-se uma falta de compreensão na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente”, informa.
Os “aspies” – como se autodenominam os portadores da síndrome – não apresentam nenhum traço físico aparente da doença
O sujeito aspie pode ou não procurar em eventuais oportunidades se relacionar com outra pessoa, mas no diálogo possível percebem-se algumas particularidades. A começar pelos olhos, pois dificilmente eles olham para seu interlocutor, sempre evitando o contato direto. Do mesmo modo, quando olham, eles não conseguem interpretar suas expressões faciais. Isso quer dizer que esteja você sorrindo ou com cara de zangado, a reação é a mesma e neutra, o que acusa a falta de entendimento das emoções. Essa característica provavelmente é uma das que mais lhes gera angústia, pois não conseguem compartilhar e entender os sentimentos do próximo.
Os aspies possuem dificuldades de comunicação, muitas vezes confundidas com timidez – o que os tornam possíveis vítimas de chacotas pelos colegas
Carla Gikovate exemplifica esses sintomas atuando juntos em uma cena típica adolescente. Quando dois jovens se gostam, em muitos momentos a palavra desaparece e o que fica é a intuição, o olhar, o gesto. Na mesma cena com um aspie, ele não percebe o clima do momento, a intenção do outro. “Para conseguir um beijo, deve-se praticamente dar a ordem: ‘beije!’”, explica.
Como eles não conseguem manter diálogos, dificilmente possuem amigos e namorada, além de virarem alvo de chacota por parte de colegas. Fica fácil entender por que garotos aspies desenvolvem sintomas de depressão e transtornos de ansiedade ou humor (patologias facilitadoras para diagnósticos equivocados, já que mascaram a doença principal).
A síndrome de Asperger é uma desordem biológica, ou seja, está diretamente ligada às atividades cerebrais e diz respeito a diagnóstico clínico. Não há exames (como o famoso do pezinho quando a criança nasce) que possam sugerir Asperger. A melhor e única forma de descobri-la é simplesmente acompanhando o desenvolvimento da criança nos meios sociais em que vive. “Por isso a necessidade do acompanhamento profissional desde cedo”, pontua Gikovate.
• Asperger e Thomas •
O simpático desenho do trenzinho aventureiro é o personagem infantil preferido das crianças autistas. Um estudo realizado pela National Autistic Society (NAS) constatou que a animação estimulava o aprendizado dos números e cores, além de facilitar a comunicação oral entre pais e filhos por meio das expressões usadas por Thomas e seus amigos. Entre os mais de 700 pais com filhos autistas que participaram da pesquisa, mais de metade apontou os benefícios do desenho, tendo até estimulado alguns a buscarem novos meios para se comunicar, como é o caso da internet. O estudo indica que a simplicidade e pureza das relações entre os personagens seja o principal motivo das crianças se interessarem e, aos poucos, compreenderem as emoções e relações humanas. Fonte: Mundo Asperger
Habilidades especiais
John Elder Robison sempre foi, em suas próprias palavras, um garoto problemático, geralmente triste, sozinho e incapaz de fazer amigos. Apesar de ter frequentado diversos terapeutas e profissionais da área, ninguém conseguia, de fato, saber o que havia de errado. Somente muito tempo depois é que um médico conseguiu definir seus sintomas e apresentá-lo à síndrome de Asperger. “Ter esse conhecimento mudou completamente minha vida”, relata Robison.
Assim como todos os outros aspies, Robison enfrentou os problemas relatados de socialização, foi tachado de esquisito e sentia dificuldade em entender os sentimentos de quem o cercava. Mas, quando jovem, o rapaz já demonstrava um grande interesse e conhecimento de mecanismos eletrônicos. Usou desse talento para arranjar emprego e seguir com a vida, o que resultou em fantásticos resultados, como trabalhar com a banda de rock Kiss, desenvolvendo efeitos sonoros para os seus shows.
Para saber mais
Síndrome dos gênios
Entre os supostos portadores de Asperger, já apareceram em bate- papos informais Albert Einstein, Mozart e o pianista canadense Glenn Gould. Bobagem. A realidade dos fatos se baseia na característica peculiar da síndrome, que faz que seus portadores se interessem quase que exclusivamente por um único assunto.
A neurologista Carla Gikovate detalha que é perfeitamente natural que uma pessoa que lê sobre um particular assunto todos os dias, por várias horas, se torne um especialista. “Assim como eu ou você, é um processo que todos temos condições de alcançar. No caso do Asperger, ganhou somente esse status por sensacionalismo ou na busca ingênua de atenuar a síndrome”, comenta.
Esta especial habilidade de Robison também faz parte dos sintomas encontrados em Asperger. Ami Klin afirma que “esse sintoma pode nem sempre ser facilmente reconhecido na infância, já que fortes interesses, como dinossauros ou personagens ficcionais da moda, são onipresentes. No entanto, tanto em crianças mais jovens como em mais velhas, os interesses especiais normalmente se tornam mais bizarros e com foco mais restrito.”
Carla Gikovate detalha que os assuntos que mais agradam são categorizáveis, ou seja, apresentam certos padrões. “É o caso de marcas de carros, bandeiras de países, aviões, dinossauros e números”, exemplifica a especialista. Esses interesses exclusivos despertam equívocos por parte das pessoas midiáticas e sensacionalistas, que nomeiam vez ou outra como “Síndrome dos Gênios” (ver box III), o que não deixa de ser um mito moderno.
Robison conseguiu superar suas dificuldades de Asperger e leva uma vida normal. E no intuito de dividir suas conquistas, e mais do que isso, divulgar de certa forma a síndrome, escreveu o livro Olhe nos meus olhos (2010), no qual relata os desafios na infância, traumas e a solidão em meio a passagens reconfortantes e esperançosas.
É comum ver a síndrome de Asperger ser confundida com uma obsessão compulsiva como esquizofrenia ou com perturbações que apresentem o mesmo sintoma
Em uma de suas frases mais famosas, Robison diz que “o mundo precisa saber que existem enormes diferenças de comportamento humano. As pessoas estão muito dispostas a descartar alguém que não responde como elas gostariam”.
Outro personagem que vem divulgando os sucessos dos aspies é Claudio Costa, por meio de seu vídeo no YouTube, um dos mais procurados quando o assunto é Asperger. Em seu depoimento, Costa narra lembranças de como desde a infância “se sentia diferente de seus colegas”. O percurso até se autodiagnosticar – o que só aconteceu aos 54 anos – também é levantado, além de falar sobre seu comportamento e mudança de atitude a partir da constatação. Costa revela no vídeo que seu interesse especial sempre foi a Filosofia. Sua obsessão e inúmeras leituras lhe garantiram tirar proveito da situação, sendo hoje professor da área.
A AMA tem utilizado as ferramentas sociais na internet, como as salas de bate-papo, para mostrar aos portadores da síndrome como se comportar em grupo
Caminhos da consciência
Desde que Ubiratan recebeu o diagnóstico de Asperger do filho, procurou se informar a respeito, pesquisando em livros e na internet sobre tratamentos e novidades a respeito da síndrome. No final das contas, com o insucesso da empreitada, ele mesmo criou um meio de comunicação para discutir e interagir com outras pessoas interessadas em pesquisas e novidades relacionadas ao autismo.
O site Mundo Asperger, coordenado por ele, posta notícias, indica livros e material de orientação para professores trabalharem com autistas. Todos os textos disponíveis foram traduzidos e divulgados a partir da aprovação de seus respectivos autores, confirma o responsável, que ainda torce para que mais pesquisas na área sejam feitas por profissionais brasileiros e que incentivos para centros especializados também sejam pensados.
Na Associação de Amigos do Autista (AMA), a psicóloga Mariana Calla coordena grupos de jovens portadores de Asperger e desenvolve trabalhos centrados para “driblar” as lacunas sociais e simbólicas que os sintomas provocam. “Um grupo com o qual trabalho tem aprendido a usar as ferramentas sociais na internet, como os bate-papos e páginas de troca de músicas”, comenta. Para a profissional, chegar até esse ponto se grupodeve ao fruto de todo um complexo trabalho, com conversas com os participantes sobre como se comportar em grupo, tipos de assuntos que não se deve comentar e a importância de ouvir o colega. “É muito legal, pois ensinamos também gírias e como usá-las. E eles têm aprendido a utilizá- las nas frases, e quando erram, eles mesmos se corrigem. Isso é muito saudável”, conta.
O grande mal da síndrome de Asperger, contudo, é o fato de ainda não terem descoberto a origem do problema e como ela se desenvolve. Ami Klin orienta que “ainda que as causas e muito da fisiopatologia do transtorno sejam desconhecidas, em anos recentes, vários tratamentos medicamentosos disponíveis têm sido identificados como contendo a promessa de aliviar alguns dos comportamentos mal adaptativos”. O especialista ressalva que esses tratamentos, no entanto, não enfocam os sintomas primários da síndrome e, geralmente, seus efeitos colaterais excedem os benefícios.
• Projetos do AMA •
Os portadores de Asperger são estimulados a trabalhar as diversas formas da linguagem para melhor se relacionar com os outros. A psicóloga Mariana Calla desenvolve atividades com pequenos grupos, onde todos servem de espelho para o próximo, e a partir de sua orientação, eles passam a entender e a controlar a linguagem do corpo, a linguagem da cultura e a sutileza da linguagem oral, permitindo que compreendam o contexto das situações que estão vivendo. Adultos e crianças com suspeita da SA, podem ir à AMA se informar gratuitamente, onde serão avaliados para confirmar o diagnóstico por meio de perguntas e atividades simples e que não agridem ou expõem as pessoas, e a partir disso, cada caso será encaminhado de acordo com sua necessidade pelos próprios profissionais.
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