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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Emoções e Transplantes

Emoções e Transplantes Os transplantes tem no ser humano uma representação das mais relevantes. Ela mexe com a identidade do sujeito. Decidir por um transplante de órgão é uma questão muito delicada e requer muitas discussões e esclarecimentos, seja com paciente, com seus familiares, com doador e familiares, seja com a equipe de transplante. Esse procedimento pode provocar inúmeras implicações psicológicas capazes de afetar todas as pessoas envolvidas. Há, sem dúvida, uma grande mobilização emocional envolvendo a questão dos transplantes de órgãos. São estados emocionais variados, tanto durante as várias fases do candidato ao transplante, durante as fases do pós-transplante, quanto entre os vários tipos de personalidade desses receptores. Existem variados componentes emocionais nos receptores até mesmo relacionados aos tipos dos doadores, como veremos. Durante todo processo do transplante surgem múltiplas questões relativas a adaptação às mudanças no estado de saúde, à capacidade funcional, às alteração das relações sociais, novas percepções de si mesmo, em relação à revisão dos planos de vida e vários outros aspectos bastante distantes das técnicas médico-cirúrgicas. Em tese, os candidatos a transplante já apresentam maior risco de ansiedade, angústia e/ou depressão (Dew et al., 1998) por várias razões. O desconforto emocional envolve o sofrimento causado pela própria doença que indica o transplante, pelo tempo de espera, pela insegurança do sucesso e até pela aceitação da idéia sobre a necessidade do transplante. Em geral os pacientes são consultados sobre o transplante quando receberam o diagnóstico de sua doença, portanto, em momentos de muita tensão emocional. Embora seja uma situação de difícil decisão, a pressão é conseqüência da necessidade da autorização para inscrição em uma lista de espera. Durante o tempo de espera o candidato ao transplante pode até questionar se desejar ou não ser transplantado. Seu estado emocional influirá significativamente na escolha se o transplante vale a pena ou não. De fato, parece haver alguma evidência do ajuste psicológico ser mais difícil quando a espera é curta, talvez pela necessidade psicológica de um maior período de reflexão e amadurecimento da idéia do transplante (Dew et al., 1996). A opção para um doador vivo costuma ser a preferência para muitos pacientes, preferentemente se o órgão for doado por irmãos, pais, cônjuges ou filhos. Nesse caso, uma parte dos problemas psicológicos pode ser minimizada quando se trata de um doador vivo e, principalmente, membro da família. Há sempre necessidade de boa avaliação psicológica e detalhada orientação para o doador. Principalmente quando o doador for alguém da família devem-se avaliar os vínculos emocionais ou a existência de outro tipo de relação entre eles, a posição deles na família, bem como os costumes e sistemas de valores familiares (Jones et al., 1993). Quando há possibilidade do doador ser encontrado no ambiente familiar os conflitos costumam ser freqüentes, revelando muitas vezes alguma desarmonia entre a voluntariedade da doação, o apelo emocional e os critérios médicos racionais necessários à doação. O altruísmo sincero do potencial doador facilita muito a avaliação para aceitação desse doador por parte da equipe de saúde. Entretanto, os doadores da família raramente expressam suas dúvidas e sentimentos íntimos de imediato. A maioria deles tende a tomar a decisão sobre a doação impulsivamente, sob forte influência afetiva e comumente sem conhecimentos preliminares sobre o procedimento. Geralmente o ato do transplante acaba estabelecendo uma íntima e peculiar relação entre o doador e o receptor. O órgão transplantado simboliza um laço de ligação entre eles, o que pode exigir algum investimento psicológico (Simmons & Andeson, 1982). Se o doador for pessoa morta, outros problemas emocionais podem surgir, como é o caso, por exemplo, das crenças sobre eventuais mudanças na personalidade do transplantado em função da personalidade do doador falecido. Medo da mudança de personalidade depois do transplante Em casos de transplante de cadáveres, alguns transplantados referem, fantasiosamente, terem adquiridos algumas características do doador (Lazzaretti, 2004). Além das fantasias sobre alterações físicas e de personalidade provocadas pelo novo órgão recebido, sentimentos de rejuvenescimento podem surgir quando o doador for jovem. Tais crenças se manifestam ainda em relação à identidade sexual, quando o órgão recebido for de uma pessoa do sexo oposto. Em geral, quando o órgão é de um cadáver, a identidade do doador não é revelada. Este é um procedimento que vale para os dois lados, nem o receptor fica sabendo quem é o doador e nem a família do doador fica sabendo quem foi o receptor. E condição preserva a intimidade de ambos. Em abril de 2008 foi noticiado que um americano havia se matado após receber o coração de suicida em um transplante há 13 anos, se matou da mesma forma que seu doador, afirmou uma reportagem do jornal americano Beaufort Gazette. Segundo o jornal, Sonny Graham sofria de insuficiência cardíaca congestiva quando recebeu, em 1995, o coração de Terry Cottle, que havia se matado com um tiro na cabeça. Depois de um ano com o novo órgão, ele procurou a família de Cottle para agradecer pelo órgão e acabou se envolvendo e casando com a viúva de seu doador, Cheryl Cottle, em 2004. O jornal cita fontes da polícia e afirma que Sonny Graham tinha 69 anos, se matou com um tiro na garganta na garagem da residência do casal. Segundo os amigos do casal, Graham não aparentava estar deprimido. O controvertido fenômeno da herança de traços da personalidade do doador em transplantados objeto de estudo por cientistas. Em 2002, a revista científica Journal of Near-Death Studies publicou uma pesquisa realizada pelo neuroimunologista Paul Pearsall sobre o assunto. Pearsall entrevistou cerca de 150 receptores de transplantes de coração ou de pulmão e afirmou que as células vivas do tecido do órgão transplantado tinham a capacidade de memória. A teoria, conhecida como "memória celular", foi tema de um livro escrito por Pearsall e inspirou ainda a professora de dança Claire Sylvia a publicar um livro (A Voz do Coração). Claire havia sido entrevistada por Pearsall e descreveu sua experiência depois de ter recebido o coração de um jovem. Claire, que nunca havia bebido cerveja, acordou da cirurgia pedindo pela bebida preferida de seu doador. Apesar das pesquisas sobre a herança da personalidade dos doadores, vários especialistas em transplantes afirmam que ainda há pouca prova científica sobre esta relação (fonte: BBC Brasil). Essa idéia é muitas vezes explorada na literatura, tentando misturar fantasia e realidade. Teria o transplante a capacidade de levar ao receptor algo da personalidade do doador? Como faz o médico Jacques Poulin no livro Le coeur de la baleine bleue (1987) aproveitando o fascínio que o transplante sempre exerceu no imaginário popular, principalmente o de coração, como algo capaz de ultrapassar a esfera biológica, levando vivências e traços de personalidade de um corpo para outro. Hoje a ciência sabe que racionalmente isso não é verdade. No livro de Jacques Poulin, a maior preocupação da personagem Noel, candidata a um transplante de coração, não é com a compatibilidade orgânica, mas com a afinidade de personalidade. A preocupação aumenta quando ele descobre que o coração a ser transplantado pertencera a uma jovem do sexo feminino. Teme que o novo coração, órgão visto como a sede das emoções, possa trazer-lhe sentimentos femininos e juvenis que entrariam em conflito com seu corpo de homem de meia idade. Com efeito, a partir do transplante, Noel é invadido por uma grande doçura, característica geralmente associada ao sexo feminino (Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim, 2000). Co-morbidade psiquiátrica com os transplantes A mistura de sintomas orgânicos e as mudanças psicológicas podem surgir em pacientes transplantados no período imediato e posterior à cirurgia. Geralmente o paciente sente grande alívio, porém, há sensações de insegurança e desproteção, há conflitos diante de novas possibilidades e habilidades. A possibilidade de satisfazer antigos desejos pode causar medo. Se por um lado há prazer e felicidade pelas novas possibilidades, por outro lado o medo da rejeição do órgão é um constante fantasma atrás da cortina. Por conta desse medo o comportamento exageradamente cauteloso acaba restringindo as atividades. O acompanhamento psiquiátrico e psicológico tem sido fundamental no procedimento dos transplantes. Existem altas taxas de co-morbidades psiquiátricas em pacientes com disfunções orgânicas crônicas e/ou à espera de transplantes. Entre 18 e 45% dos pacientes com doença cardíaca possíveis de transplante tem depressão. Os candidatos a transplante pulmonar relatam histórico de transtorno psiquiátrico em até 50% dos casos (Craven, 1990). Mundy e cols. (2000) concluem que a maioria das pessoas submetidas ao transplante de medula – que pode muito bem ser aplicado aos transplantados em geral – apresenta mais ansiedade, depressão e estresse no período de espera e preparação do que na fase de recuperação após o tratamento. Os autores sugerem que, possivelmente, isso ocorre porque antes do transplante os pacientes temem as possíveis complicações do procedimento. Entretanto se procurarmos relacionar todo procedimento do transplante (diagnóstico, espera, operatório e pós-operatório) a transtornos emocionais, nada pode ser dito se não considerarmos a personalidade da pessoa envolvida. A qualidade afetiva e emocional da pessoa influi significativamente nas atitudes diante do transplante e na recuperação depois do transplante. Pacientes desesperançosos, que não buscam ajuda para lidar com as limitações impostas pela doença, mal adaptados e com antecedentes de complicações emocionais têm maiores probabilidades de ansiedade, estresse e depressão. São pessoas com qualidade de vida emocional comprometida mesmo antes do transplante, pouco adaptadas ou com suporte social e/ou familiar inadequado (Sullivan & cols., 1999). Durante e depois do procedimento de transplantes essas pessoas mais desadaptadas emocionalmente podem apresentar mais ansiedade, depressão, irritabilidade, desorientação, perda do controle, medo de morrer e perda da motivação. Há décadas já se observara que cerca de 15% a 25% dos pacientes submetidos ao transplante de medula óssea manifesta estresse emocional, baixa auto-estima, menor satisfação pessoal, menor atividade vocacional e menor relacionamento íntimo. Na experiência destes autores, durante o longo período de isolamento que se segue ao transplante, os pacientes apresentam ansiedade, sentimentos de depressão com crises de choro, sentem dificuldades em se concentrar, em estruturar e manter suas atividades diárias, mesmo as mais simples como leitura, piorando a sensação de isolamento e desenvolvendo sentimentos de tédio e irritabilidade (Wollcott, 1886). De qualquer forma, a questão dos transplantes tem no ser humano uma representação das mais relevantes. Ela mexe com a identidade do sujeito, a qual tem na forma e na oganicidade de seu ser a principal representante. A simples histerectomia (retirada do útero) exerce com freqüência grande influência psicológica nas pacientes. Receber dentro do corpo uma parte de outro corpo que não aquele original pode provocar revoluções emocionais insuspeitadas. Igual convulsão emocional pode surgir no doador, que cede parte de seu corpo, tido até então como uma integridade preciosa à vida, para outra pessoa.

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