ORIENTAÇÃO E ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO ON LINE
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Self digital
Self Digital
Como a Internet influencia seus usuários a constituírem suas identidades na rede e pode criar transtornos à saúde de cada um. Afinal, os internautas já podem recorrer à terapia on-line?
Por Alessandro Vieira dos Reis
A maior parte dos psicólogos interessados na Interação Humano-Computador (IHC) adentrou esse perímetro via a prática clínica, daí questões relativas à terapia on-line serem as mais citadas quando o assunto é Psicologia & Informática. Contudo, independentemente da área de atuação profissional, o psicólogo precisa estar ciente das implicações da comunicação mediada por computadores na saúde humana, visto que a sociedade foi irreversivelmente influenciada pela Informática ao ponto de ela, hoje, fazer parte dos detalhes mais íntimos do cotidiano dos indivíduos. Por isso é mais que oportuno o questionamento: "Como as tecnologias digitais afetam a saúde humana?"
A EXPERIÊNCIA DO SELF E A INTERNET
Sherry Turkle, pesquisadora do Massachussets Instituct of Technology (MIT) foi a primeira profissional de Psicologia a falar sobre a Internet, em 1994. Sua pesquisa, até hoje, fala sobre como se dá a formação do Self dos usuários de comunicação digital: a Internet de alguma forma influencia a forma como eles constituem suas identidades?
Partindo do conceito de que a experiência de Self é uma forma de auto-observação para delineamento de uma identidade fluida, Turkle conclui que há três princípios fundamentais para explicar a formação do Self na Internet: a superficialização, a fragmentação e o dinamismo. O Self digital é superficial uma vez que se trata de uma coleção pequena de comportamentos. O internauta não se expõe em demasia no palco digital. É comum que ele crie personagens, sejam eles fakes (alter-egos inteiramente fictícios) ou versões alteradas de si mesmo (ao maximizar, por exemplo, seus atributos agradáveis). Sua superficialidade remete, portanto, a formação de personas que se organizam de forma horizontal, como máscaras à disposição sobre uma mesa.
Quando é a hora da terapia on-line
Por terapia on-line entende-se o conjunto de procedimentos de comunicação mediada por computador para exercício de um vínculo terapêutico. Essa prática profissional ainda não se encontra plenamente aprovada e liberada no Brasil para psicólogos, apesar da Telemedicina já ser uma realidade, especialmente na Saúde Pública envolvendo Neurologia e deve começar a ser empregada em Neuropsicologia por médicos.
Kate Anthony, pesquisadora do Reino Unido, é para muitos o maior nome do mundo na área de terapia à distância e vem desenvolvendo seu trabalho na Inglaterra desde os primórdios da Internet. Anthony estuda a aplicação de todo tipo de comunicação digital em terapia, sejam processos de comunicação síncrona (como videoconferências) ou assíncrona (como e-mails e blogs).
Seu trabalho envolve achados que apontam para o uso da terapia on-line como complemento para terapias convencionais. Por exemplo, no caso do cliente estar viajando ou impossibilitado de sair de casa. Em casos especiais o processo terapêutico pode ser inteiramente à distância, o que envolve alguns pré-requisitos por parte do cliente. Anthony é cética, por exemplo, quanto ao tratamento à distância de psicoses severas (conforme o DSM-IV), talvez pelo aspecto de fragmentação do Self digital identificado por Sherry Turkle.
Sobre o uso de dispositivos incomuns na terapia (como leitor de biofeedback) Anthony adverte: não é producente usar tecnologias com as quais o cliente já não esteja habituado. O cliente não pode, em hipótese alguma, ver a tecnologia como algo aversivo. (Contudo o biofeedback digital vem sendo usado com êxito em terapias presenciais, especialmente para dessensiblização de fobias). Uma das conclusões mais entusiasmantes da pesquisa de Anthony é que é possível criar um vínculo terapêutico de qualidade à distância, apesar desse processo ainda não estar inteiramente compreendido e delineado.
Devido à possibilidade de manifestar diversas personas, o internauta pode representar mais de um papel na rede (inclusive vezes ao mesmo tempo). É o que Turkle entende por fragmentação. Ele pode teclar com um amigo usando sua identidade pública e em paralelo fazer uso de um fake para entrar em uma comunidade em que ele seria provavelmente punido pelo amigo por entrar. Seus diversos papéis mais ou menos integrados, ainda por cima, funcionam pelo princípio do dinamismo: estão, o tempo todo, mudando, fundindo-se, sobrepondo, dialogando, disputando espaço etc. A identidade digital é regida por transformações ditadas pela necessidade, pela moda, pelas circunstâncias, etc. Por tudo isso a Internet tende a oferecer um desafio tipicamente pós-moderno ao seu usuário. O de perguntar-se: "Afinal, quem sou eu de verdade?"
HÁ 3 PRINCÍPIOS PARA EXPLICAR A FORMAÇÃO DO SELF NA INTERNET:
SUPERFICIALIZAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO E DINAMISMO
DISSOCIAÇÃO DA REALIDADE
No início da popularização da Internet, entre 1995 e 2000, muito se falou que o Self digital iria incentivar a esquizofrenia dos internautas em proporções epidêmicas. Os mecanismos de formação da identidade on-line desembocariam, via de regra, em sua dissociação patológica. A mídia contribuiu com esse temor ao divulgar casos extravagantes nos quais usuários confundiam real e virtual. Hoje entendem-se esses casos de "esquizofrenia digital" como isolados ou episódios em casos pré-existentes.
Manuel Castells, em A Galáxia Internet de monstra como o perfil da primeira geração de internautas muito contribuiu para o surgimento do mito da esquizofrenia adquirida pelo computador e, à medida que esse perfil foi sendo substituído por outros, o mito caiu por terra. Não se fala mais da Internet como patologicamente alienante e promotora de delírios. Ao contrário: Castells afirma, fundamentado em rica pesquisa, como na prática, que a Internet aumentou o senso de pertença social, bem como a comunicação interpessoal real. O cientista chega a afirmar que a Internet apenas potencializa a vida que o usuário já leva ao incrementá-la. Portanto a fragmentação do Self virtual não parece levar a uma fragmentação da identidade do internauta em contexto real.
O dinamismo do Self digital pode ser uma fonte de criatividade e invenção, mas também pode gerar ansiedade quando fora de controle. O mundo moderno oferece ambientes virtuais de superestimulação aos quais não conseguimos nos habituar, pois, via de regra, são turbulentos. O gerenciamento do tempo e a seletividade parecem ser a saída: navegar a partir de interesses e com objetivos é a melhor forma de não afundar no mar digital.
Ao mesmo tempo em que é potencialmente ansiogênico, o mundo virtual, abarrotado de novidades a cada instante, oferece atrativos infindáveis para o internauta, que é continua e eficazmente reforçado a permanecer on-line e a usufruir de mais e mais possibilidades do cyberspace. Eis aí a natureza do net addiction, ou o "vício em Internet": no fato de ela garantidamente sempre oferecer mais atrativos. Afinal, é possível a qualquer hora e em qualquer lugar recompensar-se ao fazer novos amigos, aprender coisas interessantes, jogar videogames, ler notícias, escrever blogs, compartilhar músicas, etc. O net addiction não parece funcionar de forma diferente de qualquer vício a não ser talvez pelo "tratamento": novamente navegar a partir de interesses e objetivos pré-selecionados e encerrar a navegação uma vez que esses estejam saciados.
Os primeiros internautas eram tecnólogos afoitos por novidades. Em sua maioria homens e que perfaziam o perfil do nerd - programadores obcecados por computadores. Isso contribuiu para a formação do estereótipo pelo qual quem se comunica pela Internet é alguém solitário e antisocial. Se em um algum momento esse estereótipo foi congruente com a realidade, hoje não é mais, ou quando muito é a exceção à regra.
Apesar de haver muitas pessoas que usam a Internet para conhecer novos amigos, formar comunidades de interesse, promover encontros e afins, o que se observa é que o internauta não se isola socialmente por manter relações virtuais. Ao contrário do mito da Aldeia Global defendido no início da Revolução Digital (no qual o indivíduo teria um amigo em cada país) hoje em dia a Internet é na maioria das vezes palco para pessoas que vivem relativamente próximas umas as outras se conhecerem. Fato que os IRContros (encontros presenciais dos usuários do antigo canal de chats mIRC) provaram.
A comunicação digital está longe de inventar novas formas de relacionamentos: está apenas aumentando o leque de oportunidades de pessoas se conhecerem e manterem relações sociais convencionais. Um profile fake no Orkut, por exemplo, pode ser uma estratégia para pessoas que se vêem como tímidas travarem contato umas com as outras com gradativo aumento de intimidade.
Tecnoestresse
É ponto pacífico que a Internet promove uma enxurrada volumosa de estimulação incessante. Além disso, mais e mais dispositivos surgem a cada dia: celulares, notebooks, videogames, TV Digital, etc. Tanta estimulação pode mais confundir que comunicar. O primeiro psicólogo a tratar desse assunto, isto é, de como essas tecnologias podem ser ansiogênicas, foi Larry Rosen em seu bestseller "Tecnostress".
Tímidos podem usar-se do recurso dos perfis falsos das comunidades de relacionamentos para travarem contatos com mais intimidade
SAÚDE DIGITAL
O Self digital (determinado pela superficialidade, fragmentação e dinamismo, expostos no início deste artigo) pode se tornar problemático, gerando transtornos correlatos. Sendo superficial, pode cair no ício. Sua fragmentação pode promover confusão e ilusões. Seu dinamismo pode estressar. Por outro lado nossos comportamentos no cyberespaço também podem gerar uma fonte inesgotável de criatividade e expressão. Superficialidade pode ser apenas outro nome para nossa horizontalidade e abrangência. Fragmentação pode ser o motor de múltiplas experiências. Nosso dinamismo pode nos garantir inventividade.
Como já era de se esperar, o mundo virtual apenas repete um fato do mundo real: que nossa saúde é determinada pelos nossos comportamentos, isto é, pela ações que tomamos em nossos contextos. O cyberespaço não passa de apenas outro contexto, não fugindo dessa regra.
Nossa saúde digital é determinada pelo controle positivo que exercemos de nossos comportamentos quando na Internet, e não pelo ambiente virtual em si. Nenhum dispositivo tem, por si mesmo, um efeito salutar ou patológico. A forma como decidimos agir em relação às tecnologias, exercendo autocontrole, é o que vai determinar se seremos mais ou menos saudáveis, e não as tecnologias em si.
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